O
pleno desenvolvimento intelectual humano – o livre pensamento, o conhecimento
amplo das matérias da curiosidade, exploração e pesquisa – já encontrou ao
longo da caminhada humana as mais diversas e absurdas barreiras. Há uma
dicotomia gritante no fato de denominarmo-nos homo sapiens e o número elevado de indivíduos que não possuem um
grau mínimo de conhecimento condizente com as descobertas do nosso tempo (um
pesquisa confirmou, por exemplo, alarmante número de norte-americanos
alfabetizados que acreditam que é o sol que gira em torno da Terra e não o
contrário).
Embora
o conhecimento evolua, ele não é devidamente priorizado, e não se incorpora
culturalmente à consciência coletiva dos povos. Se nos tempos passados a
sabedoria no era negada, isso se
fundamentava na necessidade de um Estado Absoluto garantir para si os mais
medonhos privilégios (onde não há conhecimento é mais fácil aceitar a
autoridade pela autoridade). O distanciamento atual entre as pessoas comuns e o
conhecimento universal já não pode se sustentar nas sociedades democráticas
modernas – cuja primazia e sustentáculo são a dignidade da pessoa humana.
Há,
sem dívida, resquícios históricos dos tempos passados que podem explicar parte
dessa deficiência cognitiva geral atual – o Brasil é uma democracia demasiado
recente, ainda deficiente em suas instituições de ensino e portador de uma
cultua popular que parece premiar a futilidade. A respeito desses fatores a
problematização do tema pode se mostrar imensa e altamente complexa, não
cabendo apontar ou mesmo tentar desenvolver raciocínio sobre esses muitos
fatores relevantes.
Este
ensaio aponta, sim, para o que poderíamos chamar de “topo da pirâmide” mesmo,
para as barreiras que o conhecimento aprofundado encontra onde não deveria
encontrar. Estamos agora na “era da informação”, temos acesso rápido e
simplificado a tudo que quisermos acessar; não obstante estamos ainda na era do
consumo exacerbado – tudo tem um preço –, onde a identidade humana pode se
resumir, em geral, a seus bens de consumo. O próprio homem acaba se tornando
aqui um bem de consumo e de valor quantificável: hoje todos estamos à venda.
É
aqui que tudo se torna um inacreditável “matar ou morrer”. O novo mundo
transforma-se diariamente em velocidade incrível; a propaganda – de que não
podemos nos esquivar jamais – cria a cada novo instante as mais impensadas
necessidades. Como precisamos comer, beber e dormir, também precisamos consumir em proporções
esfingéticas – e produzir, produzir, produzir.
Iludimo-nos
diariamente em empregos muitas vezes miseráveis com a possibilidade de poder em
breve ter mais (amparados na estúpida
ideia de que isso de algum modo nos fará ser
mais), e logo estamos desesperados, exaustos e profundamente desiludidos. A luta
diária por sobrevivência incorpora à causa, gradativamente, inauditas e
estapafúrdias outras necessidades (consequentemente dividindo-nos em um
complexo sistema de “castas” sociais que indiano algum teria imaginado).
O
senso de colaboração e irmandade entre os homens vai desaparecendo e dá lugar a
uma terrível competição intra-espécie
onde não há vencedores, embora a nossa atual cultura mande vencer a qualquer preço. Acabamos tão profundamente exaustos que
não há energia para desenvolvermo-nos individualmente melhor do que fariam
formigas em um formigueiro. A curiosidade – ferramenta primordial da verdadeira
evolução humana – desaparece e passa a imperar um forte senso de pragmatismo:
perguntas e respostas cada vez mais curtas, surgidas apenas para resolver os
problemas mais corriqueiros do desafio consumista.
Neste
novo mundo – a afirmação vai parecer um pouco absurda para alguns – o pragmatismo
transformou-se na nova censura (o conceito é figurativo, mas faz bastante sentido).
O pragmatismo enraizado em nossa cultura obviamente não nos proíbe a análise
mais aprofundada, mas arruína nossa capacidade de poder – e também de querer –
pensar. É tão grande o cansaço, tão exaustiva a corrida que a curiosidade propriamente dita, sem fins
imediatamente práticos torna-se enfadonha; o verdadeiro conhecimento é bobagem
para uns, hobby para outros.
“Isso
não se discute”, “isso eu não preciso saber” são os bordões absurdos que surgem
imediatamente diante de qualquer debate mais aprofundado; e a maioria das
pessoas parece encontrar o “segredo do cosmos” dentro dos mais gastos, mais
chulos ditos populares (explicações simples satisfazem as mentes mais simples).
A massificação cultural veio a finalmente fazer com as pessoas o que a
industrialização fez primeiro com as coisas – este vinho sobre a minha mesa é
igual aos outros da prateleira, pois foi fabricado em série –; não é nenhum exagero dizer o mesmo sobre muitas pessoas:
lá fora acaba de passar o quinto carro o tocar a mesma música.
(Thiago Nelsis)